Conflitos societários em clínicas médicas: a governança estratégica do Acordo de Sócios
Grande parte das sociedades constituídas para a operação de consultórios, clínicas médicas e estabelecimentos afins, nasce da confiança mútua e da convergência de valores entre profissionais da saúde. Colegas que compartilham objetivos decidem conjugar esforços e a gestão societária estrutura-se, inicialmente, de maneira orgânica. No primeiro momento, o foco reside integralmente na qualidade do atendimento e na expansão do negócio, relegando o planejamento de contingência a segundo plano. Raramente se estabelecem diretrizes estatutárias ou contratuais claras para cenários críticos como o afastamento, a interdição ou o falecimento de um dos sócios.
Essa omissão frequentemente revela-se uma fragilidade estrutural que acaba por emergir em momentos de crise. Quando uma dessas situações se materializa, a rotina estável da sociedade é abruptamente substituída por incertezas jurídicas e tensões financeiras. Surgem, então, questionamentos sobre a continuidade da administração, a metodologia de distribuição de resultados e o próprio futuro da pessoa jurídica.
A ausência de disposições contratuais ou estatutárias adequadas expõe a sociedade a conflitos que afetam diretamente a operação e a solvência do negócio. É um cenário frequente, por exemplo, em casos de óbito de sócio, que seus sucessores (herdeiros ou legatários) reivindiquem a participação nos lucros ou a imediata apuração de haveres sociais. E, habitualmente, a sociedade não possui a liquidez necessária para honrar tais obrigações, cujo impacto sobre o fluxo de caixa e sobre o equilíbrio financeiro da empresa fragiliza não só a relação entre os sócios remanescentes, mas também a própria continuidade do negócio. Tais situações, que poderiam ser gerenciadas caso previstas de antemão, transformam-se em demandas judiciais complexas, onerosas e de difícil solução.
Nesse contexto, o Acordo de Sócios se estabelece como um instrumento essencial de governança e estabilidade empresarial. Ele é o mecanismo jurídico que formaliza e protege a confiança inicial. Sua função é definir o protocolo de ação da sociedade frente a eventos de afastamento, sucessão ou substituição, estabelecendo critérios objetivos e vinculantes. O Acordo regula aspectos vitais, como as condições para admissão e exclusão de sócios, o método de valuation (determinação de valor) das cotas e os prazos e modalidades de pagamento dos haveres, visando sempre à preservação da saúde financeira da empresa.
Trata-se de uma ferramenta de gestão estratégica que protege o capital social e mitiga riscos legais, assegurando a continuidade do negócio. Ao delinear claramente responsabilidades e alinhar expectativas, o Acordo impede que conflitos de natureza pessoal se confundam com obrigações empresariais. No setor de saúde, onde o compromisso com o cuidado é o fundamento da atividade, estruturar juridicamente a sociedade não é apenas uma medida preventiva, mas uma forma de tutelar o patrimônio e o propósito profissional. O planejamento societário eficaz não engessa a gestão; ele a blinda, garantindo que a boa governança mantenha a estabilidade financeira e permita que o empreendimento continue exercendo sua função primordial.
